Por JASON KEITH FERNANDES
Vim para enterrar César, não para louvá-lo. O bem que se faz é enterrado com os nossos ossos, que seja assim com César. William Shakespeare, Julius Caesar, Acto III, cena 2.
Devo começar por dizer que estou bastante escandalizado com a recente tendência que notei, especialmente depois da morte do Manohar Parrikar, ex-Chefe Ministro de Goa, de elogiar sem reservas as figuras públicas e não refletir sobre alguns aspetos mais negativos do seu carácter ou sobre as suas intervenções na sociedade. A falta de reflexão aspetos menos atraentes da sua personalidade é uma indicação dos tempos perturbados em que vivemos, onde a crítica é vista como criticismo e desrespeito, não sendo sequer tolerada.
Gostaria de acrescentar que a crítica é a reflecção desapaixonada ou imparcial, que deve examinar ambos aspetos, positivos e negativos e refletir também sobre as razões mais profundas para estas qualidades. Por tanto, hoje, gostaria de começar com uma reflecção desapaixonada sobre alguns aspetos da vida de Teotónio. Preferia começar com o elefante na sala, com o facto de Teotónio ter sido uma pessoa difícil, especialmente em contextos profissionais.
Teotónio era uma pessoa rabugenta, ficava ofendido facilmente e frequentemente maldisposto em ter que reconhecer o trabalho de jovens acadêmicos, especialmente se estes não vinham ao beija-mão. Ai deles que o contradissessem, pois era certo que se montaria de imediato uma cena pública que destruísse o seu trabalho.
Seria fácil atribuir estas características claramente negativas só a Teotónio. As suas fraquezas, enquanto suas, foram também produto de um certo contexto social e Goês. Contexto este onde ele nasceu e dentro do qual trabalhou e contribuiu.
É uma crítica constante que faço à comunidade Goesa, seja em Goa ou na diáspora, o não reconhecimento dos esforços dos seus filhos. Se não pertencem a uma família ou casta poderosa é quase garantido que a pessoa que desenvolve qualquer trabalho interessante até importante irá trabalhar sozinho, sem aplauso do resto da comunidade. O facto que qualquer reconhecimento, se vem, vem muito tarde, quando estes já estiverem mortos, implica que pessoas que se esforçam por articular novas perspetivas e criar novas iniciativas trabalham sem qualquer consolação. O caso de Teotónio é um exemplo perfeito. Conheço apenas um reconhecimento de Teotónio enquanto académico, o festschrift intitulado Metahistory. History Questioning History. Festschrift in Honour of Teotonio R. De Souza, tenho certeza que não foi uma iniciativa de alguma instituição Goês.
É um facto que trabalhar solitariamente sem reconhecimento pode ter um impacto corrosivo na alma. Torna-nos amargos, com tendência a que nos gabemos sobre os nossos sucessos e sem vontade de reconhecer o trabalho dos demais. A final, se ninguém reconhecer o meu trabalho, tenho que ser eu a faze-lo, verdade?
Isto não é apenas o caso do Teotónio, mas o caso de vários outros Goêses ilustres que tive a oportunidade de conhecer e é um facto que me deixa muito triste. Para re-enfatizar o que distingue as comunidades Goêsas no mundo não é somente a falta de institucionalização, mas também a falta de investimento na sua vida intelectual. Há já vários anos que tem havido um crescente interesse académico em Goa. Enquanto este acontecimento é bem-vindo, há também um perigo porque Goa esta a ser definida por académicos não Goeses e serão, consequentemente as suas agendas, ou seja, as suas preocupações, que irão determinar a representação dos Goêses. Creio que Teotónio percebeu este problema. Ele quis articular uma identidade Goêsa diferente do que dos Portugueses e ficou rabugento porque percebeu que era a única voz a desenvolver esta tarefa. Isto não sugere que concordo com a sua posição. Separadas por gerações, a minha perspectiva sobre a identidade Goesa é substancialmente diferente. Enquanto a posição de Teotónio era a do nacionalismo Indiano, a minha é influenciada pela necessidade de combatê-la. Mas acho que poderíamos concordar que tem que haver mais investimento Goes na sua propria representação.
Creio que grande parte da sua antipatia surgiu também da sua posição social. Bramane, mas não tanto. Percebi essa peculiaridade depois de ler a introdução do seu livro Goa To Me (1994). Fiquei muito comovido pelos detalhes que partilhou sobre a sua vida íntima e pareceu-me um acto de coragem e honestidade. Este texto mostra de fato a crueldade do sistema de castas entre Goeses e demonstra o fato pelo qual somos incapazes de criar uma saudável e vibrante identidade Goêsa. Na nossa sociedade enfatizamos sempre a nossa posição social, e portanto diferença em vez de enfatizar semelhanças e criar um sentido de comunidade. Tenho uma história para partilhar convosco a este respeito. A minha primeira experiência de Lisboa quando cheguei para participar na reunião de Goeses pelo mundo, organizada pela Casa de Goa alguns anos atras (talvez 2007?). Fui nessa altura a Coimbra por um mês e utilizei esta oportunidade para almoçar com Teotónio antes da reunião. Durante o almoço, Teotónio partilhou comigo a sua leitura das políticas entre as comunidades Goesas em Lisboa, apontando os conflitos entre castas e como naquela altura a Casa de Goa era dominado por brâmanes.
Cheguei à Casa de Goa equipado com esta informação. Foi cumprimentado por uma pessoa e foi-me dirigida aquela muito antiga questão Goesa “De onde és em Goa?” Atenção que a pergunta não funciona como quebra-gelo numa conversa, mas para localizar a posição na hierarquia das castas da pessoa a quem é dirigida a pergunta. Normalmente não participo neste jogo, sempre indico que cresci em Pangim ou que moro em Dona Paula, mas deste vez indiquei que as minhas origens na Ilha de Divar. “ah!” respondeu a mesma pessoa, adicionando, “somos de Margão!”, demonstrando a sua posição superior na scala bramanica. Prometi a mim mesmo que nunca mais participaria neste jogo. Não é minha intenção sugerir aqui que este é o caso na Casa de Goa, mas esta é uma atitude com a qual temos que lidar firmamente.
Acho que vou deixar as minhas reflecções por aqui, porque suspeito que ja tenha gasto mais do que o tempo que me foi alotado. Agradeço a vossa atenção, e a Casa de Goa pelo convite. Desejo descanso eterno a Teotónio e agradeço o trabalho por ele desenvolvido.